Ao longo da vida, perdi a conta de quantos textos dediquei ao Natal e ao nosso inverno amazônico. Para mim, são duas magias que se entrelaçam. Confesso que sempre critiquei essa estética importada de Hollywood, aquela ideia fixa de que Natal exige neve. Já escrevi, inclusive, sobre como o nosso dezembro é um simulacro tropical: árvores de plástico fingindo ser pinheiros, com pontas brancas de uma neve que nunca caiu aqui.
Mas, até outro dia, eu ainda não tinha ligado os pontos. Não tinha percebido como o inverno amazônico é, na verdade, o grande responsável por tornar o nosso Natal tão único. Percebi que um dia de chuva torrencial é o nosso equivalente poético a um dia de neve.
Todo ano, quando dezembro chega, o céu muda. As nuvens descem, pesadas, e a chuva passa a ser a regente dos dias. Há manhãs em que a água começa a cair cedo e só para no dia seguinte. O sol se esconde, e a nossa noção de tempo se dissolve; às vezes, é impossível dizer se são seis da manhã ou seis da tarde. As crianças, já no fim do ano letivo, ganham passe livre para faltar à aula, e a chuva, longe de incomodar, acolhe.
É essa água que faz as luzes de Natal brilharem com mais intensidade. Sabe aquele efeito difuso, quase onírico, que a luz cria ao atravessar uma vidraça molhada? São aquarelas urbanas que eu não sei se existem no resto do mundo.
Na nossa cidade pequena, a véspera tem rituais próprios. As ruas enchem, as calçadas viram extensão das cozinhas. Ninguém se recolhe para a sala; a vida acontece na frente de casa, no quintal, na rua. A ceia nunca espera a meia-noite; ela acontece cedo, lá pelas nove. Depois, a conversa corre solta, regada a bebida e risadas, enquanto os mais jovens migram para a praça principal. Lá, sob a queima de fogos — que hoje pintam o céu de cores, aposentando o barulho branco de antigamente —, a cidade celebra.
E há o dia seguinte. Nem sempre chove, mas quando chove, é o nosso milagre de Natal recorrente. O dia amanhece frio, preguiçoso. As ruas ficam desertas, devolvidas ao silêncio. As pessoas se recolhem para comer o “requentado” da ceia, as visitas chegam para compartilhar as sobras e a televisão exibe algum filme genérico de Natal em um streaming qualquer, substituindo a velha “Sessão da Tarde”.
O Natal da Amazônia é, sim, mágico. Não precisamos de neve. Precisamos apenas da nossa chuva e das nossas luzes distorcidas pelas gotas de orvalho





